Porque as drogas devem ser descriminalizadas
Artigo publicado na revista Mythos – 2015
Opinião
Porque as drogas devem ser descriminalizadas
Apesar das divergências acerca da descriminalização das drogas, tratar o seu consumo penalmente tem consequências negativas, tanto do ponto de vista da saúde quanto dos direitos humanos
Gisela P. Granito*
Fiquei contente ao receber o convite para escrever sobre o tema descriminalização das drogas, porque é um tema muito polêmico que inflama as rodas de conversa nos mais diferentes grupos, tanto no Brasil como no exterior, isso porque engloba diferentes aspectos e olhares filosóficos, bem como divergências de opiniões, às vezes até pela diferença de gerações. Evidentemente as drogas são um problema de saúde pública, segundo o último relatório da UNODC (United Nations Office on Drug and Crime), 246 milhões de pessoas (um pouco mais do que 5% da população mundial com idade entre 15 e 64 anos) fez uso de drogas ilícitas em 2013. Cerca de 27 milhões de pessoas fazem uso problemático de drogas, os homens aparecem como sendo três vezes mais propensos ao uso de maconha, cocaína e anfetamina, enquanto que as mulheres são mais propensas a usar incorretamente opióides de prescrição e tranquilizantes. A metanfetamina domina o mercado global de drogas sintéticas, e está se expandindo no Leste e no Leste-sul da Ásia. O uso de metanfetamina cristal está aumentando em partes da América do Norte e da Europa.
O uso da maconha está crescendo e continua alto na África ocidental e central, na Europa ocidental e central, na Oceania, e na América do Norte. Dados de 2013 demonstram um aumento na quantidade de ervas de maconha e resina de maconha apreendidas em todo o mundo, alcançando 5,764 e 1,416 toneladas respectivamente.
Evidências sugerem que mais pessoas estão sofrendo consequências decorrentes do uso da maconha, e que a maconha pode estar se tornando mais prejudicial, como refletido pela alta proporção de pessoas procurando tratamento pela primeira vez em várias regiões do mundo. A demanda por tratamento também aumentou para tipos de estimulantes baseados em anfetamina incluindo metanfetamina e MDMA ou “Ecstasy”, segundo dados do relatório mundial sobre drogas.
Apesar de estável, o nível de usuários de drogas que perdem suas vidas prematuramente, continua alto em todo o mundo, diz o Diretor do UNODC, que estima um total de 187,100 mortes relacionadas com as drogas em 2013. Com a prevalência de 0.4% na população adulta global, o uso de cocaína continua alto na Europa ocidental e central, na América do Norte e na Oceania (Austrália), ainda que dados recentes demonstrem uma tendência global de declínio.
No Brasil, o consumo da cocaína e do crack vem aumentando enquanto na maioria dos países está diminuindo. A substância ilícita com maior prevalência de uso na população brasileira é a maconha. Em estudo realizado em 2012 pela Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas, o total da população adulta, 5,8% declarou já ter usado a substância alguma vez na vida, ou seja, 7,8 milhões de brasileiros adultos já usaram maconha pelo menos uma vez na vida.
O Diretor Executivo do UNODC, Yury Fedotov, no Dia Internacional contra o Abuso e o Tráfico Ilícito de Drogas, relatou que embora o uso de drogas esteja estável no mundo, apenas uma de cada seis pessoas que fazem uso problemático de drogas tem acesso ao tratamento. É de extrema importância promover o entendimento em abordar a dependência química como sendo uma doença crônica que pode ser comparada a hipertensão e a diabetes que requer tratamento e cuidados sustentados a longo prazo. Fica evidente que existe um estigma em torno do indivíduo dependente de substâncias, e isso dificulta a procura de um tratamento adequado. Em São Paulo o Sistema Único de Saúde oferece à população que faz uso de drogas e álcool, acolhimento e tratamento para dependência química, podemos citar o CAPS AD (centro de acolhimento psicossocial álcool e drogas) onde a comunidade recebe tratamento especializado focado para esse problema. No Instituto de Psiquiatria no Hospital das Clínicas, existe o ambulatório do GREA – Grupo de estudos interdisciplinar de álcool e drogas que reuni uma equipe multiprofissional capacitada a atender o paciente e seus familiares, realizando um programa de tratamento individualizado afim que haja uma reinserção gradual e progressiva desse indivíduo na sociedade.
Existem dúvidas quando se refere à descriminalização e a legalização da droga, muitas pessoas se confundem com esses termos, o primeiro se refere ao ato legal de excluir da criminalização, já o segundo termo legalização, se trata da autenticação, de tornar a favor da lei, que são coisas bem distintas. Acredito que quando uma pessoa percebe que seu uso se torna prejudicial à saúde, isso vá interferir também nos seus relacionamentos interpessoais e sociais, sendo que muitas vezes o caminho para a procura de ajuda se torna sinuoso por não saber por onde começar ou até mesmo por ter vergonha.
A posse de drogas é considerada um crime em diversos países-membros da ONU, contudo a descriminalização das drogas já está acontecendo em diversas partes do mundo, inclusive no Brasil. Em 2006, o presidente Lula aprovou a Lei no 11.343, que promoveu diversas mudanças nas políticas públicas relacionadas às drogas, o que foi considerado um avanço no cenário nacional e mundial, porque descriminalizou “parcialmente” o uso das drogas, como uma forma de discriminar aquele que é usuário de drogas do traficante, deixando o usuário a cargo do sistema de saúde, sendo encaminhado para orientação e tratamento, enquanto a Justiça se encarrega do traficante. Com isso, pode se dizer que se promoveu uma oportunidade para o jovem deixar de ser preso pelo uso, afastando-o do risco de iniciar uma carreira de marginalidade e evitando estigma e traumas psicológicos decorrentes da detenção. Por outro lado, os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), analisam a constitucionalidade do artigo 28 da lei 11.343, de 2006, que diz ser crime adquirir, guardar ou portar drogas para consumo próprio. Como está hoje, a legislação também pune quem cultiva maconha para consumo próprio. A Defensoria do Estado de São Paulo defende que isso viola o princípio da intimidade e da vida privada, sendo que estão questionando se esses atos devem seguir sendo penalizados. No Brasil, um terço dos prisioneiros responde por tráfico de drogas. A maioria deles são pequenos traficantes, que não têm nenhum poder no mercado das drogas. Enquanto isso, os líderes do crime permanecem soltos.
É muito difícil chegar a um resultado final sobre a quantidade da substância de uso que seja segura quando se trata do consumo de drogas, pois artigos científicos referem que além dos danos causados no organismo o uso da substância pode levar a quadros de psicose, sendo que os jovens estão dentro da população mais propensa. No caso da maconha, usuários habituais podem também ter problemas no desenvolvimento de suas potencialidades intelectuais. Por outro lado nos Estados Unidos, já são 22 os Estados que permitem a produção e comercialização da maconha para tratar doenças. No Reino Unido, um laboratório fabrica um medicamento em forma de spray com os dois componentes mais conhecidos da planta: o tetrahidrocanabinol (THC) e o canabidiol (CBD). Recentemente, a França aprovou a venda desse mesmo remédio, assim como outros países europeus. Em Israel, também é possível adquirir a droga mediante autorização do governo. Na Holanda, compra-se a erva na farmácia. No Brasil, recentemente, a diretoria da Anvisa aprovou a reclassificação do CBD de uso controlado, dando início a um novo marco na relação do País com a droga.
Além da maconha, o uso de outras drogas como o álcool, cocaína e crack, também podem levar a crises psicóticas, pois elas atuam na química cerebral de maneira arrebatadora levando a déficits cognitivos como perda da atenção e memória, e também podem causar dificuldade de aprendizado e distúrbios no comportamento; em artigo sobre o tema, testes avaliam que características impulsivas são frequentemente encontradas, repercutindo no cotidiano do individuo,como por exemplo, não pensar antes de fazer alguma coisa ou entrar em uma situação de risco repetidamente sem medir as consequências podendo gerar um ciclo vicioso negativo no comportamento desse individuo, como por exemplo usar drogas. A terapia cognitiva comportamental e a Entrevista Motivacional são abordagens psicológicas que vem ajudando dependentes químicos e seus familiares a proporcionar ferramentas para a compreensão da doença e seu tratamento, obtendo eficácia na maioria dos casos. Aqueles que trabalham atuando na área da saúde ficam mais propensos a utilizar a redução de danos quando se deparam com situações extremas como é o caso do usuário pesado de Crack, por exemplo, essa é uma política pública preconizada pelo Ministério da Saúde, como uma forma de melhorar o acesso à saúde e à reinserção na sociedade, e por isso demonstram ser a favor da descriminalização.
Algumas pessoas que não concordam, podem argumentar, por exemplo, que a maconha é facilitadora para as drogas mais “pesadas”, sendo que esse pensamento na prática se apresenta diferente. Verifica-se que a maior porta de entrada para as drogas não é a maconha e sim o álcool e o cigarro, sendo que as primeiras experiências podem até acontecer na rua, com amigos; mas é em casa, se seus pais fumam e consomem álcool de forma abusiva, ocorrerá o primeiro contato com as drogas. Dentro do tema sobre descriminalização, é comum ouvir nas rodas de conversa que a droga mais consumida no Brasil é lícita, ou seja, não é proibida por lei e de fácil acesso, o álcool. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o consumo total estimado no Brasil é equivalente a 8,7L por pessoa, quantidade superior à média mundial. Estima-se que homens consumam 13,6L por ano, e as mulheres, 4,2L por ano. Quando são considerados apenas os indivíduos que consomem álcool, esta média sobe para 15,1L de álcool puro por pessoa (sendo mulheres: 8,9L e homens: 19,6L). As consequências do uso de álcool também oneram a sociedade, de forma direta e indireta, potencializando os custos em hospitais e outros dispositivos do sistema de saúde, sistema judiciário, previdenciário, perda de produtividade do trabalho, absenteísmo, desemprego, entre outros. Ainda, em todo o mundo, nota-se que as faixas etárias mais jovens (20-49 anos) são as principais afetadas em relação a mortes associadas ao uso do álcool, ou seja, é preciso conscientizar os jovens desde cedo, quanto antes os pais puderem esclarecer dúvidas sobre esse assunto, melhor. Sempre com calma, paciência e sem preconceito.
Encerro esse artigo com a frase da UNODC:
“Tratar o uso não-medicinal e a posse para consumo pessoal como crimes tem contribuído para problemas de saúde pública e levado a consequências negativas para a segurança e os direitos humanos”
* Gisela Pellegrini Granito é psicóloga Cognitivo-Comportamental pelo AMBAN – HC-FMUSP
Especislista em Dependência Química – HC-FMUSP
Especialista em Neuropsicologia – HC-FMUSP
Membro da equipe da Clínica Arthur Guerra
Psicóloga colaboradora no GREA – Programa Interdisciplinar de Estudos Álcool e Drogas HC – FMUSP
Professora no curso de Especialização da SENAD- Atenção ao usuário de Crack e outras drogas.
Referências bibliográficas
WWW.inpad.org/lenad acessado no dia 21/11 às 21:09
Acessado no dia 22/11 às 21h
Artigos
Cannabis use and the risk of developing a psychotic disorder.
Hall W1, Degenhardt L.See comment in PubMed Commons belowLancet. 2007 Jul 28;370(9584):319-28.
Cannabis use before age 15 and subsequent executive functioning
Maria Alice Fontes, Karen I. Bolla, Paulo Jannuzzi Cunha, Priscila Previato Almeida,
Flavia Jungerman, Ronaldo Ramos Laranjeira, Rodrigo A. Bressan and Acioly L. T. Lacerda
The British Journal of Psychiatry (2011)
198, 442–447. doi: 10.1192/bjp.bp.110.077479
Comments: 5
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